domingo, 28 de dezembro de 2008

carta número quatro

alice, minha alice,
nos dias em que não tive como vir até tua porta (os meus mais tristes, confesso) te escrevi muitas cartas. em guardanapos de pano e de papel; no verso de fotos nossas; no vapor do box do banheiro.
enquanto tomava sorvete de flocos, pensava em ti. enquanto procurava marlboros, pensava em ti. nas aventuras pelo moinho/gruta/etecétera, pensava em ti. no banho com água fria (e sabonete) pensava em ti. antes de dormir, pensava em ti. sonhava contigo. acordava pensando em ti. entre tanto barulho, pensava em ti e sentia a falta imensa da tua voz. entre tantos silêncios, pensava em ti e te precisava pra escutá-los comigo. na festa onde ninguém tinha graça, pensava em ti e te queria pra que enchesse meus olhos.
tudo que fiz e que passei nesses dias de ausência tua foi baseado nas lembranças que me nutrem. nos momentos que nós construímos todos os dias, pedrinha sobre pedrinha, cuidadosamente escolhidas a dedo por nós.
pensei em ti a cada segundo. me movi por ti. respirei por ti. vivi por ti. morri um pouco, por ti. e renasci com mais que o dobro anterior hoje ao te ver.
em anexo (acho bonito falar anexo, sabe) vai um pedaço do meu lugar melhor do mundo, todo pra ti, cheio de um sorriso mal visto e nem percebido por outros olhos (já que não eram os teus). não quero te mandar mais pedaços das minhas coisas, sabe. quero vivê-las contigo e somente contigo. com ninguém mais. sequer comigo mesma.
eu te amo, minha alice. eu lutaria contra um exército inteiro por ti. eu lutarei. pouco importa quantas cabeças, braços ou cerejas eu tenha que pisar no caminho. qualquer coisa significa qualquer coisa.
daquela que não faz outra se não te amar e te querer,
stella.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

carta número três

minha densa e encantadora alice,
me desculpe por deixar essa carta na caixa de correio e não por debaixo da porta como das outras vezes, mas me envergonha não ter a dália vermelha como dama-de-companhia, seguindo o exemplo anteriores. eu poderia dizer qualquer coisa, mas em casos como esse - todos que referem-se à ti - opto pela verdade: eu não quis. sequer procurei a mais bonita como das outras vezes, como nos outros anos. não, meu amor. me desculpe.
talvez eu já não seja mais tão romântica como quando te conheci - apaixonada sim, disso tenho certeza - mas bem, eu nunca fui dada a grandes demonstrações de afeto, tu bem sabes. as dálias já haviam tornado-se algo sem o mesmo fervor do início - para que de fato, foram feitas. dálias foram feitas para que causassem paixão, afinal de contas. e paixão dilacera.
tenho pensado muito sobre essas coisas sabe? não, não a paixão nem o fervor. sobre flores e frutas. as flores são bonitas mas tão sem-nada-para-se-descobrir. não te cansam essas coisas de não haver nada mais para se conhecer, desvendar, interpretar? a mim me cansam.
tenho pensado em morangos. um morango nunca vai ter o mesmo gosto da primeira mordida, na segunda. um morango é vermelho-gordo. acho bonitos. assim sabe, delicados e com a cara a tapa. a cara vermelha e rechonchuda que só um morango poderia ter.
tenho pensado em figos, também. na verdade bem mais em figos que em morangos. acho os figos explêndidos! são tão pequeninhos e durões e cheios daquele arzinho de superioridade forjado. ainda que bonitos out, o melhor do figo encontra-se in. é que quando sente-se o 'dentro' do figo, que se vê que tem milhões de pedacinhos se espremendo ali dentro, quanta coisa boa tem o figo ali escondido dentro de si! deveria ser ao avesso né? não. porque o melhor de tudo é descobrir.
tenho pensado em figos, tenho pensado em morangos, e melhor que isso, tenho pensado na combinação dos dois. é absolutamente incrível os diversos sabores que as duas mesmas frutas podem causar ao paladar. vai ver são inconstantes. vai ver se amam e se completam e se querem e se combinam tanto que até quando mudam, mudam do mesmo jeito, cada um pro seu lado.
pode rir, docinho, sei que não tem sentido o que tenho dito. morangos com rostos, figos interessantes, combinações amorosas. nada disso faz sentido. nunca fez.
acho cartas nas caixas de correio tão secas, tão frias.
não sei como me terminar, então, até logo meu amor.
ps¹: sobre eu não ser mais tão romântica, eu menti.
ps²: sobre o amor não ter nada a ver com figos e morangos, eu menti.
ps³: uma mentirosa nata, obrigada. agora meu amor, delicie-se com os figos e morangos que deixei no fundo da caixa do correio.
sempre, sempre tua, stella.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

carta número dois

alice -minha doce e neurótica alice,
no pó por sobre os móveis do meu quarto; nas janelas de desenhos teus de prédios nossos; na semente e nas lembranças: escondido, metade coberto, eu encontro -teu amor.
tão sutil, me ferindo de leve às vezes. noutras em rompantes que me arrancam pedaços. eu te permito. leve todos, leve inteira, leve tudo. eu te deixo. eu te dou. mas por favor, leve e não vá embora. gosto de ter teus olhos reagindo a esses falsos roubos -entregues. leve e fique do meu lado. não me solte a mão que sem ti eu deixo de respirar. não se canse, não fuja.
ainda que não nos vejamos, continuarei a te invadir pela sacada à noite com meus cigarros de filtro esmagados entre os dedos, deixando bilhetes à cabeceira da tua cama até que sejam suficientes para te mostrar que eu não te disse uma sequer mentira. fosse no 'eu te amo', fosse no 'pra sempre'. continuarei a te dar um sonho diferente do outro todas as noites. até sempre ma belle, até sempre.
com meu amor mais imenso e minha saudade mais branca, beijos infindos.
tua stella.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

carta número um

para se ler com um cigarro entre os lábios e uma xícara de café nas mãos.


alice,
essa é a primeira de outras tantas cartas que mandarei. não. talvez essa seja a primeira de três ou quatro. ou ainda, talvez essa seja a única.
sei que empurrei à ti o fardo de arrancar de mim o 'se' e o 'talvez' mas não, baby blue, hoje vou mergulhar essa fina folha de papel numa grande bacia cheia até a borda deles.
há dez meses atrás eu roía as unhas. ah, sim, um segredo que não te contei. pois bem, eu as roía. comia até as pontas dos dedos. comia mesmo (mastigar, engolir). sugava o sangue que vertia da ponta de cada um e me alimentava do limo denso que se incrustava por debaixo delas (as unhas). limo esse que tu bem sabes, vinha do fundo do poço. eu morei lá por muito tempo sabe? dezoito longos anos. talvez eu tenha nascido lá, talvez tenham-me jogado, talvez eu tenha ido por conta própria há tanto tempo que sequer ficou preso nas minhas curtas gavetas de memórias. algumas vezes eu tentei sair, eu juro. às vezes eu sentia-me cansada de esperar, já tinha dúvidas se tu virias mesmo, se não eram ilusões. eu, que odeio ilusões e vivi delas. ou morri delas, sabe-se lá. o fato é que o corpo estava preso à vida, e a alma, morta.
há dez meses atrás eu gritava. eu gritava, sweety, mas eram berros mudos. quisera eu não ter tido boca pra que pudesse ter evitado a agonia de querer ensurdecer os ouvidos de alguém (fosse com apelos, fosse com ira) e resultar sempre em fracassos. em contenção. mas não. eu não tive voz por dezoito anos. e por dezoito anos eles não tiveram ouvidos. talvez ainda não tenham, mas daqui alguns parágrafos eu chego lá. -me prometi pôr em ordem os pensamentos dessa vez.
há dez meses atrás o único cheiro que eu conhecia era o podre que me inundava em dias de chuva e em dias de sol. a chuva trazia até o poço mais sujeira e sequer me recompensava lavando-me a alma. fazia-me sentir mais tonturas que normalmente com o fedor fétido que me entrava pelas narinas, orifícios, poros. e quando vinha o sol, quando eu achava que ao menos a luz ia secar-me os olhos: veja só, a podridão apodrecia. doce redundância que me enojava, jogando-me caída sobre o própio vômito.
nunca consegui acostumar-me com essas sensações: o cheiro, o sangue, o silêncio, o gosto, o vômito, a carne exposta, os gritos mudos, o desespero. ainda assim, eu continuei esperando. eu tinha fome de ti. eu tinha sede de ti. eu tinha que esperar. eu precisava esperar. eu queria esperar! e esperei.
então, tu veio. eu nem gritava quando tu chegou. e quando ouvi teus passos, não me apressei em te fazer notar que eu estava ali. porque eu sabia, meu amor, que tu sabia. então tu veio e te debruçou nos tijolos escuros-sujos-pretos do poço e eu te olhei e fazia um calor infernal e tu sequer esboçou repulsa ao me ver ali jogada-fraca-imunda num canto sem quinas. tu te lembras? sim, eu sei que sim, mas por favor permita-me que eu te relembre desse dia da forma como ele ficou entalhado na minha melhor gaveta (eu a fiz, especialmente pra ti: é de papel e madeira e gesso). lá de cima eu te via tão longe e tão perto de mim. era por ti que eu tinha esperado a vida inteira mas tu me parecia tão inalcançável nos teus all stars pretos até as canelas, vestida com os olhos mais brilhantes que eu já pudera ter imaginado, contornados em traços que delineavam perfeitamente o teu rosto. tu me sorriu. eu me perguntava se tu rias de mim ou pra mim e essa dúvida não me prendeu mais que um centésimo de segundo até que eu percebesse que sim, tu sorria pra mim.
eu abri a boca num intuito burro de te gritar alguma coisa e então lembrei que eu não tinha voz. fechei. formulei incontáveis frases que iam de 'por-favor-me-tire-daqui' a 'jogue-uma-corda' passando por 'eu-te-esperei-a-vida-toda-eu-te-amo-e-se-tu-puder-me-puxar-pra-cima...' mas antes que eu pudesse pensar numa palavra curta que emendasse tudo que eu queria te dizer (porque eu sentia coisas grandes e coisas grandes não cabem em palavras pequenininhas) tu pôs o dedo indicador nos lábios em sinal de silêncio e me disse:
-eu cheguei. diga ao teu coração que eu cheguei, que não se afobe, querida, que eu ficarei.
céus! mais que meus pensamentos, mais que minha voz, mais que meus ruídos: tu ouvia o bater do meu órgão mais bem guardado até então! eu o mantive pulsante por todos esses anos, vivo o suficiente pra tua chegada, intacto! eu queria (e queria muito) fazer o que tu me pedia, te obedecer cegamente, mas aquilo, meu grande amor, aquilo eu não podia controlar. meu coração batia, martelava, descompassava, enlouquecia, desesperava. meu corpo inteiro tremia. tentei me por em pé. que eu perdesse todos os dedos escalando as paredes úmidas, não importava, eu faria o que fosse preciso pra ir até ti -agora que tu estava tão perto e tão longe.
foi aí que tu fez o que eu não pude imaginar nos melhores (ainda que raros pois eu quase nunca dormia) sonhos em que tive com esse dia. tu desceu. dá pra acreditar? tu desceu! eu fiquei parada, perplexa, frágil. te assisti sentar na beirada do poço e se agarrar aos tijolos fracos vindo até mim devagar, dando-me tempo pra arrumar as coisas na cabeça, pra aproveitar o que eu via, pra acreditar.
o meu corpo não possuía qualquer tipo de líquidos se não o sangue até então, e quando tu pôs os pés no chão, firmes, e ficou me olhando ainda com as estrelas nos olhos e o brilho nos dentes eu me percebi aos prantos, em lágrimas. não tive forças pra me mover, e nem se fez necessário, pois como eu já disse: tu ouvia meus pensamentos. tu me abraçou e me segurou e eu fechei os olhos e consegui te abraçar também. tu me apertava contra o peito e me enlaçava entre os braços. eu guardei à ti todos esses sentimentos que tu me proporcionou. eu fiz questão de não me preparar pra eles ou imaginar como seriam. 'coisas grandes em palavras pequenas', não me caberia explicar tudo que eu sentira.
quando voltei a abrir os olhos, não havia mais limo. não havia mais tijolos. não havia mais sujeira. meu corpo inteiro tinha sido costurado e nele haviam inúmeras cicatrizes. abri a boca e ouvi minha própria voz. tu estavas segurando as minhas mãos. olhei primeiro pra tua boca pra encontrar teu sorriso, mas ele não estava mais lá. tive medo. então procurei saber nos teus olhos e o reencontrei. os teus olhinhos pequenos e escuros me sorriam brilhantes.
não me importei em saber como tu me tirou de lá. não fiz perguntas. não consegui falar (nem palavras grandes, nem palavras pequenininhas), mas eu sabia que se quisesse, teria voz porque tu tinha ouvidos.
foi aí que eu apertei tuas mãos e percebi que minhas unhas não seriam roídas mais. nunca antes eu sentira tantas coisas grandes, tantas coisas boas. nunca antes eu fora tão feliz.
eu te disse: 'eu não quero nunca mais voltar pra lá.'
e o que tu me respondeu bastou pra que em pequenas palavras eu entendesse grandes coisas -ainda acho magnífico isso que tu consegue fazer de expremer sentimentos em letras.
-nós não voltaremos lá.
tu estava lá o tempo todo! só não me ouvia por ainda não ter me visto pra que tivesses ouvidos, assim como eu não te gritava por ainda não ter te visto para que tivesse voz. nós nos esperamos, nós nos chegamos, nós nos tiramos de lá e costuramos uma à outra.

espero que tenhas lido com o marlboro entre os dedos finos da mão direita e a xícara de café quase frio na esquerda. de ti, minha doce alice, levarei pra sempre todas as melhores lembranças do presente.
eu te amo. eu sempre te amei.
beijos doces, famintos da boca tua.
stella.