terça-feira, 12 de janeiro de 2010

mudei.

retalhos-de-delirio.blogspot.com

tentei mudar o e-mail, mas sendo o principal do gmail, não deu. o jeito é pedir para que mudem comigo. ok?
um beijo.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

cacos de alice

um pequeno flash-back:
eram duas crianças. um garoto com seis anos, uma garota com quatro. ela puxava com força uma corda que corria sobre um rolamento preso ao teto, ele pendia com a mesma ao redor do pescoço. seu corpo sacudia-se em convulsões inconscientes, o rosto roxo-azulado, urina pingando dos sapatos pretos até o chão. alice-criança sorria entre fios suados de cabelos negros que iam até abaixo dos ombros.


“ele tinha cabelos louros como os teus.” – alice tragou o cigarro e olhou para stella. – “depois disso, meus pais foram internados. mataram-se alguns dias depois, ambos da mesma forma: enforcaram-se com os fios do telefone.”
stella tinha nas mãos a magnum.44, e girava o tambor distraidamente. os olhos fixos nos da outra. bebeu café, passou a ponta da língua pela borda da xícara, limpando o visco fino que ameaçava escorrer, escuro. num sussurro quase inaudível, disse: “teus segredos são agora meus.” não haviam lágrimas ou drama, só essa cumplicidade crua que se tem quando duas pessoas sentem o que elas. esse mais-que-amor que nunca outro alguém poderia entender, que nunca houve antes noutras histórias.
um estrondo curto e seco irrompeu pela fresta da janela e a luz fraca do abajur apagou. lá fora chovia torrencialmente. ficaram então as duas na completa escuridão, os olhos de uma encarando os olhos da outra, ainda que não se pudessem ver. deram-se alguns momentos até que acostumassem-se ao breu. stella acompanhava o ponto vermelho da brasa do cigarro de alice descendo e subindo lentamente, crescendo quando tragado, depois pequeno outra vez, parado sob o braço da poltrona. não via sequer o vulto, mas sabia que alice embalava o copo no ar, em círculos, dissolvendo sem perceber a vodca no café. ou o inverso. “três-quartos-de-vodca-para-um-de-café” ela sempre dizia.
alice observava sem poder enxergar os dedos de stella puxarem a pele dos lábios. arranhava, machucava, estuporava a boca até que sangrasse, e então sugava o líquido vermelho.
-qual era o nome?
-de quem?
-do teu irmão.
-ian.
stella andou até a poltrona vermelho-sangue no outro lado do cômodo, tocou os joelhos de alice com as pontas dos dedos e sentou em seu colo, acomodando levemente a cabeça em seu ombro. alice tirou do bolso uma cartela de comprimidos, entregou metade à stella (que pegou o copo da sua mão e engoliu-os num grande gole) e enfiou os outros na boca, mastigando devagar. os braços finos entrelaçaram a cintura da outra, e juntas entraram num jogo de cores e sensações. deliraram então, num silêncio pesado, até que adormecessem quando o sol rasgava o céu numa manhã de setembro.

sábado, 25 de julho de 2009

gotas de caio

"não te tocar, não pedir um abraço, não pedir ajuda, não dizer que estou ferido, que quase morri, não dizer nada, fechar os olhos, ouvir o barulho do mar, fingindo dormir ,que tudo está bem, os hematomas no plexo solar, o coração rasgado, tudo bem"
Caio Fernando Abreu - "Garopaba, Mon Amour" de Pedras de Calcutá.

ah, que fosse meu pra uma certa alice que vaga pelos becos, pelos canos, pelos anos.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

carta número cinco

alice, tão minha
já te descrevi em cacos, te devorei em pedaços e te li em conta-gotas. agora, minha alice, tudo que sei é que te tornei um punhado de grãos microscópicos escorrendo entre meus dedos. onde foi parar toda aquela carne sólida que eu podia controlar, onde eu cravava as unhas e afundava os dentes, de quem eu segurava os pulsos a cada elevação no tom de voz?
tu sequer me olha pra tentar respostas que (eu sei) não tem. perdeste o medo de não saber. tanto eu quis que tuas asas crescessem, que, quando dei por mim, minhas paredes não mais comportavam tal grandeza. mais um quarto de hora e então tu vais embora. há mais de um ano, quando me sentei pela primeira vez nesse sofá puído e rasgado, eu sabia que um dia tu sairia porta afora. no início eu mesma saía. era a primeira a me incitar à maçaneta. depois fui ficando, me acomodando, moldando a almofada ao meu corpo. tu sequer fazia menção de descruzar as pernas ou apagar o cigarro, e ainda assim eu pus vinte-e-três-trancas-com-cinco-voltas cada.
vez ou outra fomos até a sacada. não ao mesmo tempo. não para assistir crescer os morangos que plantamos. não, meu amor. os morangos mofaram, endureceram, quebraram. fomos sorrateiras. primeiro eu, enquanto tu servia uma dose de vodca noutro canto do quarto, depois tu, enquanto eu me deixava engolir pelo céu.
só mais cinco minutos, eu sei mon amour, tenho o tempo na cabeça pois o relógio que eu te dei quebrou essa tarde. agora fica um tictictic enlouquecedor ainda que os ponteiros não mudem de lugar.
[...]
são dois-pra-hora e lambi com a ponta da língua o dedo indicador. sem pressa resgato grão por grão e os coloco devagar sobre teu lugar, nessa poltrona vermelho-sangue mais distante da janela, nesse canto em que o sol não alcança, onde te absorve os olhos e te enegrece as estrelas, nesse quarto tão mas tão nosso, que eu não poderia permitir que o deixasse de ser. por favor não se esvaia entre meus dedos outra vez mais.
levei as chaves por garantia, as das janelas também. há vodca e cigarros sobre a mesa, por favor, me perdoe. volto em um quarto de hora.
tictictictic...

domingo, 3 de maio de 2009

um coma de amor

um livro abandonado sobre o banco de concreto. a capa era de um papel preto que imitava camurça; passando os dedos dava pra sentir micro pedacinhos se soltando. 23 páginas. todas em branco exceto por uma única linha na contra-capa: agora tu és minha, mas eu preciso partir.

sentei no banco e coloquei-o no colo. fiquei esperando não-sei-o-quê. traguei três ou cinco cigarros e ninguém apareceu, nem nada aconteceu. caminhei as exatas quatorze-quadras-e-meia, empurrei o portão de metal, ouvi o 'CLAC' do trinque fechar, subi as escadas pulando os degraus aos pares contando "três. cinco sete nove onze cinqüenta-e-três". quando finalmente entrei, estava cansada, suada, e cheia de um pozinho preto espalhado pela blusa. nem percebi que durante todo o percurso eu agarrara o livro contra o peito. coloquei-o sobre a mesa ao lado da janela. enquanto tomava banho, ele não me saía da cabeça. quem teria escrito? pra quem? quando? por quê não havia história e sim um final? o que teria acontecido pra tê-lo abandonado? eu não tinha nenhuma resposta. preparei um belo copo de vodca, acendi um cigarro, engoli alguns comprimidos brancos e me sentei em frente à mesa. escrevi na primeira página:

Astrid L.
Rua dos Ipirangas 3005 / 203 – Cidade Velha


deitei no chão do quarto empoeirado – precisava de uma bela faxina, eu sabia, só não tinha saco pra isso, que tempo eu tinha e de sobra – e assisti o céu mudar de cor, escurecer. daí em diante nada do que eu vi pode ser descrito como realidade. as alucinações me embalaram até que eu dormisse e tivesse sonhos na velocidade da luz, com cores que ninguém nunca viu.
acordei por volta de três da tarde do dia seguinte com solavancos na porta. achei que ia voar apartamento adentro, aquela merda. eu digo apartamento é pra ficar bonito, porque não passava de um cômodo com um fogão de duas bocas, uma mesa velha e um colchão. abri:
-escuta aqui, ô, drogadinha. tu não vai me pagar não, é? já passa de dois meses com as contas atrasadas, vou te pôr pra fora, tô falando.
-dá um tempo dona zica, que a coisa não ta fácil pra ninguém. vou dar um jeito de pagar a senhora, prometo.

-promete, promete. de boas intenções o mundo tá cheio. – ela saiu murmurando pelo corredor palavras ininteligíveis, provavelmente ofendendo meu caráter, que, a essa altura, já não valia mais que o muquifo onde eu tinha vindo parar.
meti uma calça, peguei a mochila com tudo que eu tinha e saí porta afora. lugar que nem aquele não dá pra deixar nada dando sopa, não – ainda que tudo que eu tinha não valesse nada. dois minutos depois voltei correndo e peguei o livro que tinha esquecido ainda sobre a mesa. fui até a praça onde o havia encontrado e deixei-o exatamente no mesmo lugar. sentei num banco distante – mas de onde tinha a visão perfeita – esperando o dono. esperei um bom tempo, mas ninguém veio. já começava a escurecer quando desisti. fui pra avenida sem vontade nenhuma, mas há dias em que não restavam opções melhores. tenho cara de adolescente na puberdade, então não demorou meia hora para que um carro parasse:
-tá quanto?
-cem.
-sobe aí, puta. – entrei no carro e pude ver o rosto. era um desses caras que saem em colunas sociais de jornal da região, sabe? tinha dinheiro, família, coisa e tal. pelo estilo nem achei que fôssemos pra um motel tão vagabundo. o filho-da-puta me comeu, me bateu, me xingou e não queria pagar! falei que ia no jornal, que dizia que ele tinha me molestado, e ele riu.
-molestar? e desde quando puta de esquina sabe o que é isso? olha como fala comigo. tu nem vale cem.
-me dá minhas cem pratas. – não tenho medo de otário não, nunca tive, além do mais, pior do que eu to, não fico.
lembrei de onde o conhecia. era deputado. eu já podia ver as manchetes: "deputado molesta menor de idade e é preso, garota de programa recebe auxílio financeiro". não nasci ontem, mesmo que eu tenha fantasiado, eu sabia que não era assim. manda quem pode e obedece quem tem juízo. eu não tenho. o cara reclamou, humilhou e riu, mas no fim das contas não queria escândalo à toa – sabe como é, época de eleição – e acabou me dando as cem pratas. filho-da-puta é filho-da-puta né. sem a ironia do trocadilho.
eram quase dez da noite. saí sozinha do motel, o cara deixou a conta paga e eu fiquei lá, me lavando e tentando dar um jeito nos machucados. "pra primeira vez, até que não fui mal" pensei comigo.
passei na "praça do livro" antes de ir pra casa. ele ainda tava lá, mas alguém tinha mexido. não continuava no mesmo banco. peguei de volta, e só abri quando tranquei a porta e sentei à mesa da janela. tinha um envelope com meu nome escrito e dinheiro dentro. não contei, mas pelo que eu percebi era o suficiente pra pagar dona zica. embaixo do meu nome e endereço tava escrito:

não preciso que me dê endereços, astrid. sei onde moras, o que fazes e só me falta descobrir de que gostas – além dos livros que roubas por aí. te conheço de outras vidas, e tu pode ser minha se quiseres. mas tu ainda não quer. eu te espero, te espero há tanto tempo.
p.s.: não se ofenda com o envelope, só te peço que não te humilhe dessa forma como fez hoje outra vez.


entrei em pânico. então tinha alguém que sabia que eu existia? estivera me seguindo? me esperava pra quê? quem é esse autor que só me dá perguntas sem respostas? era uma letra tão bonita, tão bem-feita... e o modo de escrever? tão educado... senti vontade e me esforcei pra relembrar a gramática que eu soubera tão bem em tempos de colégio. abaixo dele:

como é que é? tu me segues, então? e não, não quero ser de ninguém, que não fui feita pra andar laçada. gosto da liberdade, nunca serei tua nem de qualquer outro.
de outras vidas? acaso és louco ou o quê?
p.s.: sei me virar sozinha.


coloquei o envelope de volta e deixei o livro na praça ainda naquela noite. peguei de volta só uns três dias mais tarde. não havia quase nada escrito, apenas uma folha de plátano colada na segunda página, com os míseros:

19/05 – tu estavas mais linda ainda hoje, deitada sob a imensidão de plátanos tristes, como nós.

nas semanas seguintes, nos escrevíamos quase todos os dias. eu esperava ansiosa por respostas que nunca eram às perguntas que eu havia feito, e sim, eu sabia, sobre algo bem maior do que o que eu poderia ver. por diversas vezes tentei marcar encontros pessoais, mas ele nunca falava sobre isso. graças à ele eu conseguira um bom emprego numa locadora que ficava no mesmo prédio da minha biblioteca preferida. às vezes ele roubava livros pra mim e os deixava no banco, à minha espera. eu não tinha mais dívidas e havia me mudado para o prédio em frente ao antigo. há quase três semanas não usava nada, nada. tudo parecia estar indo bem, talvez não fôssemos mais tão tristes.

13/07 – é inverno, astrid. estamos na vigésima primeira página, é hora de eu te beijar. meu café é amargo – só sete gotas de adoçante – não muito quente. levarei cigarros, meu amor.
havia uma marca de café propositalmente derrubado na página.

estatizei. ele finalmente queria me encontrar. sem perceber que eu estava me afogando, respondi:

sem teu rosto ou tua voz, me fizeste apaixonar por ti no mais íntimo de teus seres. és em mim toda a poesia antes esquecida. te espero ao pôr-do-sol, tu bem sabes onde. todo o meu amor, um beijo em teus olhos.
p.s.: surpreenda-me.
deixei a chave da porta entre as páginas já escritas.


dormi muito mal nessa noite, tamanha ansiedade. o sol rasgava o céu sem pudor e iluminava o quarto aos poucos, inundando o cômodo. tudo continuava uma bagunça e eu tentei melhorar a aparência, mas de nada adiantaria, porque, ele sabia. de tudo, ele sabia. não consegui comer, cada minuto era um martírio à espera dele. sentei no parapeito da sacada com as pernas soltas no ar e acendi um cigarro. o sol começava a se pôr. ele não viria.
"clic" a porta sendo aberta. hesitei, não ousei olhar pra trás. ele me abraçou pela cintura e segurou bem forte, tão forte que eu tive a certeza que nunca, de maneira nenhuma eu cairia se suspensa por aquelas mãos. fechei os olhos e as toquei. eram macias, os dedos eram finos, os pulsos eram frágeis e cada pêlo do braço estava ouriçado. eu podia sentir nas pontas dos meus dedos. desci do parapeito e fiquei frente à frente com aquele estranho que agora era tão meu. ele passou as mãos pelo meu rosto e pude senti-lo sorrir.
abri os olhos e vi os olhos do meu amor, devorando os meus. clarice estava mais linda que nunca àquele pôr-do-sol. ela tinha o olhar mais lindo que eu já pudera presenciar. eram olhos de mil anos, tão tristes. por si só poderiam iluminar toda uma cidade, tamanho brilho. uma constelação engavetada. deciframo-nos centímetro por centímetro, minhas mãos decodificando o corpo dela, os olhos dela devorando minha alma. sua boca tinha quase o formato perfeito de um coração que se desfazia em sorrisos pequenos, e era de uma textura indescritível. senti cada pedacinho de pele dela na minha, senti cada gota do amor de clarice inundando meu corpo, me transbordando. e transbordei nela também. nunca antes houvera amor como o nosso. passamos a noite inteira juntas, abraçadas, nuas iluminadas apenas pelo luar que rasgava entre os vãos da janela. eu ainda não pudera ouvir sua voz, então ousei:
-eu te amo, meu amor. – ela permaneceu calada, e me deu o melhor beijo que eu pudera receber. tentei outra vez. – me diz teu nome?
clarice levantou e se vestiu, beijou meus olhos e foi embora.
fiquei sozinha no escuro, tentando saber se tinha sido real – ou não. acabei adormecendo e sonhando com clarice e suas constelações. voltei à praça, ao livro:

o que estás fazendo comigo? não me amas mais? teu amor acabou? foi só um conto, ou um sonho? sequer sei o teu nome. não me deixes, amor, por favor.

foi esse o final de uma longa carta que escrevi à ela, ocupando toda a vigésima segunda página. busquei a resposta no final da tarde:

vigésima terceira página, astrid. nunca existirá amor como o nosso. serei sempre tua. não tenha medo, te amei em todas as vidas, te amarei para todo o sempre. – um pequeno espaço em branco, e, (eu havia esquecido!) – agora tu és minha, mas eu tenho que partir.

encerrando a contra-capa, estava escrito: por astrid L. e clarice B.

depois disso, tudo que lembro é de acordar amarrada por fivelas todos os dias e todas as noites aos prantos, gritando por clarice. ano passado disseram que eu poderia viver bem sem causar danos à sociedade, então me deram alta. me entregaram apenas uma muda de roupa e uma mochila desgastada – segundo eles, era o que eu tinha quando fui internada – que dentro continha uma única coisa: um livro. a capa era de um papel preto que imitava camurça, com letras garrafais vermelhas entitulando: "UM COMA DE AMOR".

segunda-feira, 27 de abril de 2009

mais uma história de amor

eram cerca de onze da noite, e nada havia sido como eu fantasiara. na mochila eu não tinha mentiras pra contar, e não usava um jeans rasgado. pelo caminho não haviam garrafas nem cigarros (só uns poucos sobrados das noites anteriores). não. entre a carne e o tecido eu sentia minha pele angustiando em hematomas recém feitos, e não carregava comigo mais que uma blusa extra e chamadas intercaladas por trinta minutos. meus dedos tocavam gentilmente a corrente do balanço onde agora eu voava. fitei o teto preto e carregado de estrelas. como te queria aqui agora, alice. como te queria comigo, no céu. te quero tanto, mas tanto, que...
de um salto rompi meu vôo e me atirei ao chão de areia. não havia tempo a perder, eu não tinha nada e vivia tudo. acendi um dos poucos cigarros que me restavam e segui os paralelepípedos até o asfalto. pouco mais de uma hora andando e finalmente cheguei ao trevo da cidade. ah, a cidade. como é bom te abandonar sem medo.
os faróis me banhavam em luz me cegando por segundos, me ignorando. depois de quarenta ou cinqüenta minutos, um caminhão parou. corri e parei em frente à janela lateral, sorrindo. o motorista abriu a porta e me estendeu a mão. entrei. ele tinha mãos ásperas e um sorriso que de tão simples mais me parecia um pobre-coitado. como eu. eu esperava de motoristas de caminhão que dão caronas de madrugada: a)violência; b)estupro; c)eu jogada na estrada; mas não. ele ia pra cidade vizinha de onde eu pretendia chegar, e em pouco tempo de conversa me senti à vontade pra dormir um pouco. quando acordei os outdoors já me violentavam os olhos: chegamos.

[...]
liguei uma, duas, três vezes. o morse: ela me liga.
-onde tu tá? fiquei preocupada, tu não me ligou! tudo bem?

eu contenho risos abafados e não respondo.
-stella! stella! tá aí?
-vai pra sacada e olha que lindo ta o céu hoje
. – ela responde com um suspiro. ouço o ranger de portas do outro lado da linha, acima da minha cabeça.
-sim, tá lindo mesmo.

-não mente, tu sequer saiu pra fora. – ela ri.
– tu me conheces tão bem.

-sim, e faço tudo por ti. – ela está debruçada nas grades de ferro me olhando a dois metros abaixo. eu faço sinal de silêncio e subo pelo muro do vizinho até a sacada. alice não tem mais medo, alice me ama e também faz tudo por mim.
-nós vamos fugir? – ela me beija e nossos corpos (o meu frio, o dela quente) se enlaçam.
-sim, meu amor. nós vamos fugir.

lá estava eu de volta ao asfalto, eram quase quatro da manhã. alice tentava se manter acordada na beira da estrada fumando cigarros que pendiam leves de seus dedos quando ela cochilava, relapsa. eu olhava e sorria. nunca antes havíamos sido mais felizes.

segunda-feira, 16 de março de 2009

peeping tom

para se ler ouvindo: frosti – björk.

eu tinha nas mãos o encarte de um dos discos da banda preferida dela. uma só foto dobrada ao meio eram capa&contra-capa. o fundo preto e uma estrutura metálica em destaque. prata ou dourada talvez branca ou da cor para a qual ainda não fiz um nome. não tenho certeza. encarei por alguns segundos querendo saber o que era sem a pretensão de perguntar – ela ia dizer sem que eu o fizesse.
-é uma caixinha de música. – como eu previ, ela se entrega. – por dentro, sabe?
-não. nunca tive uma.- soaria pateticamente dramático se fossem outros ouvidos que não os dela, mas eram e não me detive em (me) explicar.
-é o que a faz funcionar. na verdade é bem pequeno, assim ó. – e mostrou com os dedos um protótipo imaginário que caberia na palma da minha mão. – esse rolinho fica girando, os pontinhos escuros são em alto-relevo. as fitinhas de metal fazem as notas, e quando os pontinhos passam, elas levantam, batem e aí faz soar o som.
continuei olhando a foto enquanto a voz dela se derretia nos meus ouvidos, derramando-se em mim. ela apontava os detalhes sem alcançar o papel, mais que debruçada nas laterais da cama. mantive minha atenção acorrentada a tudo que ela dizia, mas já não tenho certeza se foi bem isso. me flagrei absorta nas fitinhas de metal que batiam dentro dela, soando notas que banhavam meus olhos. sim, os olhos. e os senti muito, muito quentes. te injeto em mim ao som de uma pequena caixinha de música, meu amor, mas a velocidade com que tu corre por minhas veias é digna da nona sinfonia de beethoven.