sábado, 25 de julho de 2009

gotas de caio

"não te tocar, não pedir um abraço, não pedir ajuda, não dizer que estou ferido, que quase morri, não dizer nada, fechar os olhos, ouvir o barulho do mar, fingindo dormir ,que tudo está bem, os hematomas no plexo solar, o coração rasgado, tudo bem"
Caio Fernando Abreu - "Garopaba, Mon Amour" de Pedras de Calcutá.

ah, que fosse meu pra uma certa alice que vaga pelos becos, pelos canos, pelos anos.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

carta número cinco

alice, tão minha
já te descrevi em cacos, te devorei em pedaços e te li em conta-gotas. agora, minha alice, tudo que sei é que te tornei um punhado de grãos microscópicos escorrendo entre meus dedos. onde foi parar toda aquela carne sólida que eu podia controlar, onde eu cravava as unhas e afundava os dentes, de quem eu segurava os pulsos a cada elevação no tom de voz?
tu sequer me olha pra tentar respostas que (eu sei) não tem. perdeste o medo de não saber. tanto eu quis que tuas asas crescessem, que, quando dei por mim, minhas paredes não mais comportavam tal grandeza. mais um quarto de hora e então tu vais embora. há mais de um ano, quando me sentei pela primeira vez nesse sofá puído e rasgado, eu sabia que um dia tu sairia porta afora. no início eu mesma saía. era a primeira a me incitar à maçaneta. depois fui ficando, me acomodando, moldando a almofada ao meu corpo. tu sequer fazia menção de descruzar as pernas ou apagar o cigarro, e ainda assim eu pus vinte-e-três-trancas-com-cinco-voltas cada.
vez ou outra fomos até a sacada. não ao mesmo tempo. não para assistir crescer os morangos que plantamos. não, meu amor. os morangos mofaram, endureceram, quebraram. fomos sorrateiras. primeiro eu, enquanto tu servia uma dose de vodca noutro canto do quarto, depois tu, enquanto eu me deixava engolir pelo céu.
só mais cinco minutos, eu sei mon amour, tenho o tempo na cabeça pois o relógio que eu te dei quebrou essa tarde. agora fica um tictictic enlouquecedor ainda que os ponteiros não mudem de lugar.
[...]
são dois-pra-hora e lambi com a ponta da língua o dedo indicador. sem pressa resgato grão por grão e os coloco devagar sobre teu lugar, nessa poltrona vermelho-sangue mais distante da janela, nesse canto em que o sol não alcança, onde te absorve os olhos e te enegrece as estrelas, nesse quarto tão mas tão nosso, que eu não poderia permitir que o deixasse de ser. por favor não se esvaia entre meus dedos outra vez mais.
levei as chaves por garantia, as das janelas também. há vodca e cigarros sobre a mesa, por favor, me perdoe. volto em um quarto de hora.
tictictictic...