segunda-feira, 16 de março de 2009

peeping tom

para se ler ouvindo: frosti – björk.

eu tinha nas mãos o encarte de um dos discos da banda preferida dela. uma só foto dobrada ao meio eram capa&contra-capa. o fundo preto e uma estrutura metálica em destaque. prata ou dourada talvez branca ou da cor para a qual ainda não fiz um nome. não tenho certeza. encarei por alguns segundos querendo saber o que era sem a pretensão de perguntar – ela ia dizer sem que eu o fizesse.
-é uma caixinha de música. – como eu previ, ela se entrega. – por dentro, sabe?
-não. nunca tive uma.- soaria pateticamente dramático se fossem outros ouvidos que não os dela, mas eram e não me detive em (me) explicar.
-é o que a faz funcionar. na verdade é bem pequeno, assim ó. – e mostrou com os dedos um protótipo imaginário que caberia na palma da minha mão. – esse rolinho fica girando, os pontinhos escuros são em alto-relevo. as fitinhas de metal fazem as notas, e quando os pontinhos passam, elas levantam, batem e aí faz soar o som.
continuei olhando a foto enquanto a voz dela se derretia nos meus ouvidos, derramando-se em mim. ela apontava os detalhes sem alcançar o papel, mais que debruçada nas laterais da cama. mantive minha atenção acorrentada a tudo que ela dizia, mas já não tenho certeza se foi bem isso. me flagrei absorta nas fitinhas de metal que batiam dentro dela, soando notas que banhavam meus olhos. sim, os olhos. e os senti muito, muito quentes. te injeto em mim ao som de uma pequena caixinha de música, meu amor, mas a velocidade com que tu corre por minhas veias é digna da nona sinfonia de beethoven.


terça-feira, 10 de março de 2009

she's lost control.

pra se ler ouvindo joy division.

o antes: havia cortes mal e porcamente cicatrizados contornando e preenchendo o ante-braço numa perfeita e sincronizada simetria. se um dia orgulhara-se de carregá-los como troféus de demônios encarcerados, agora temia cada um deles, todos arrebentando as portas de suas jaulas – ora em coices e pontapés, ora arremessando o corpo todo contra as paredes. stella tornara-se o palco da própria ira.

o durante:
"alice,
escrevo a fim de me desculpar. já falamos sobre quão superficiais são as desculpas; já falamos sobre não o serem quando há sentido e faz-se valer do mesmo; já falamos que na maioria das vezes não têm propósito e prometemo-nos abstê-las; mas, ainda que não valham de nada agora – como em tantas outras – eu te peço desculpas. as mais sinceras que já me puderam sair da boca – agora da ponta da caneta.
entre a falsa modéstia de te dizer que tudo ficará bem e que um dia tu acharás outra que te ame tanto quanto eu amo e a presunção de afirmar o caos que se segue com a mais crua verdade de que nunca qualquer outro alguém poderá sequer tentar dar-te amor tal grande o meu, fico com a segunda opção. sei o quanto essa carta e os fatos que a acompanharão irão te dilacerar, e é por eles que me desculpo. por ter o teor de egoísmo concentrado demais, meu amor. aliás, seja lá egoísmo, covardia ou fracasso em excesso – talvez os três e mais – é por eles que me desculpo.
não tenho a pretensão de machucar-te ainda que sabendo ser inevitável. nessas linhas te mato um pouco a cada palavra, e admito, sequer pra isso fechei os olhos. como sempre, mantive-os bem abertos. tão abertos que não suportei o que tenho visto. usando das palavras que um dia tu me destes, ‘lavo meus olhos com clorofórmio’, todos os dias, meu amor, e as mãos que me afogam não são minhas – tampouco tuas, não te desespera.
a bem da verdade não tenho argumentos que o valham salvo que não suporto mais. não espero que me entenda – mesmo sabendo que o vai – ou que perdoe.
é minha deixa para o último suspiro, meu coração. obrigada por me ter apresentado o mundo fora das coxias, foi o melhor espetáculo que poderíamos ter vivido. te amo, e, como prometido, vou te amar sempre.
beijos incandescentes pra esse inverno,
stella – sempre tua.”

examinava o canivete vermelho-vivo entre os dedos finos. deixou de lado a dramatização literária que sempre a deixava abater e navalhou os braços sem pôr chamadas em espera. dos pulsos até a metade dos ante-braços, seguindo a linha azul que berrava através da pele. achava engraçado que depois de tantos rasgos em tantos anos no mesmo sentido, os últimos fossem exatamente os que fugiam do padrão. foi aí que a pele vomitou. vermelho. vermelho-vivo. entre papéis, trilhos e cigarros, stella saíra de cena.

o depois:
"...entrevista inédita com alice d. hoje, às 20:00. não perca! escritora fala do novo best-seller que encabeça a lista de mais vendidos há dezoito meses ininterruptos e revela o segredo de seu sucesso..."
-segredo do sucesso, é? – ironizou aquela com cabelos azuis desregrados.
-ah, sabe como é, dê uma frase qualquer à toda essa gente ignorante e logo transformam na sensação do momento. um circo sensacionalista, é isso que é, no qual EU sou a atração. pessoas são mesmo só pessoas.
-tu achas que a stella tem visto o que tem acontecido contigo? não tem como não saber, a imprensa toda tá a teus pés.
-e como eu saberia? da noite para o dia ela desapareceu! sequer escreveu dando explicações – não que eu precisasse – ou telefonou ou... tu sabes a história, e já chega desse assunto.
-tu não achas estranho que ela não a tenha procurado? afinal de contas, é a história de vocês, e, bem, milhões de pessoas têm lido. às vezes penso que talvez ten...
-já disse que chega desse assunto.

enquanto isso, o corpo de stella apodrece numa certa estação de trem abandonada.