sábado, 7 de fevereiro de 2009

gavetas entreabertas

tenho em mim uma grande, pesada e líquida bigorna. um peso devastador – hora insuportável, hora fraco, porém constante – que corre por minhas veias, que encharca meus ossos, que me embrulha o estômago. é denso, viscoso e cru, ainda que flamejante. um ardor que embebo e álcool e sufoco em nicotina, inutilmente.
não lembro por onde andei nos anos que antecederam o dia de hoje. há algumas horas abri os olhos pela primeira vez. fiquei cega durante incontáveis e angustiantes minutos. não há nada ao redor se não areia. não há ninguém além de mim. não tenho medo. não ainda. não tenho tempo. logo, eles chegam. devem ser três ou cinco; talvez cinqüenta ou cem. são mais altos que eu, mais fortes que eu, mais cruéis que eu. eles não têm cor ou sexo. gritam todos ao mesmo tempo palavras que não me fazem sentido algum. dizem-me que tenho um nome e muitos pecados pelos quais pagar. atam cordas nos meus pulsos e tornozelos. um por vez, me socam e molestam, depois, todos juntos. não grito. uma ou duas vezes, desmaio tamanha dor sinto. então, quando acordo, lá estão eles outra vez, esperando que eu me faça consciente e possa sofrer um pouco mais.
espero que parem, mantenho-me passiva com uma lembrança que não sei de onde vem ou por que a guardo. é um rosto nítido num corpo um tanto quanto desfocado. são olhos pequenos-estreitos que parecem ter estrelas – talvez uma constelação inteira – engavetados. a boca parece ser de uma maciez sem mensuras e a voz dela é tão sutil que me embriaga em arrepios, ainda que só me dê uma única frase: "eu vou te tirar daqui, Stella". Stella. pois então esse é meu nome. não entendo então o que faz com que esses que me violentam vomitem "Astrid" em grunhidos vulgares.
na terceira vez em que acordo dos desmaios já não há ninguém mais uma vez e começo a considerar a hipótese de um longo delírio. olho ao redor e não há sequer um grão de areia. o que vejo são tábuas de madeira no chão; uma mesa que parece ser do século passado, tal qual os demais – que são poucos – móveis do cômodo; e uma máquina de escrever sem pó sobre as teclas. há também uma cama com detalhes entalhados, e, eu teria me prendido a eles, não fosse a presença dela agarrando meu olhar. ela, a lembrança que me fez suportar, agora sentada em meio a lençóis revirados, me observando incógnita, ali, deitada na madeira fria. reconheci a voz que manteve-me viva não mais naquela única frase, e sim num doce "meu amor, outro pesadelo? volte pra cama agora. tudo está bem".
ouço as palavras saírem sem que as saiba dizer: "desculpe, querida. sim, outro pesadelo". deito ao lado dela e aconchego-me em abraços que me enlaçam. um lugar que sinto tão meu, tão, tão meu.
- eu te amo, Stella.
-eu te amo, Alice.

Um comentário:

Ana disse...

Eu sempre leio, mas nunca comento! Sei lá, me parece algo muito teu e da Alice pra eu comentar, entende? E aaah, que título bonitinho*-* HISDHFIOSDHISHDFISHDF
Então sou tua fã desde sempre, tu sabe! HISDOFHSDIOFH
Te amo;*