segunda-feira, 27 de abril de 2009

mais uma história de amor

eram cerca de onze da noite, e nada havia sido como eu fantasiara. na mochila eu não tinha mentiras pra contar, e não usava um jeans rasgado. pelo caminho não haviam garrafas nem cigarros (só uns poucos sobrados das noites anteriores). não. entre a carne e o tecido eu sentia minha pele angustiando em hematomas recém feitos, e não carregava comigo mais que uma blusa extra e chamadas intercaladas por trinta minutos. meus dedos tocavam gentilmente a corrente do balanço onde agora eu voava. fitei o teto preto e carregado de estrelas. como te queria aqui agora, alice. como te queria comigo, no céu. te quero tanto, mas tanto, que...
de um salto rompi meu vôo e me atirei ao chão de areia. não havia tempo a perder, eu não tinha nada e vivia tudo. acendi um dos poucos cigarros que me restavam e segui os paralelepípedos até o asfalto. pouco mais de uma hora andando e finalmente cheguei ao trevo da cidade. ah, a cidade. como é bom te abandonar sem medo.
os faróis me banhavam em luz me cegando por segundos, me ignorando. depois de quarenta ou cinqüenta minutos, um caminhão parou. corri e parei em frente à janela lateral, sorrindo. o motorista abriu a porta e me estendeu a mão. entrei. ele tinha mãos ásperas e um sorriso que de tão simples mais me parecia um pobre-coitado. como eu. eu esperava de motoristas de caminhão que dão caronas de madrugada: a)violência; b)estupro; c)eu jogada na estrada; mas não. ele ia pra cidade vizinha de onde eu pretendia chegar, e em pouco tempo de conversa me senti à vontade pra dormir um pouco. quando acordei os outdoors já me violentavam os olhos: chegamos.

[...]
liguei uma, duas, três vezes. o morse: ela me liga.
-onde tu tá? fiquei preocupada, tu não me ligou! tudo bem?

eu contenho risos abafados e não respondo.
-stella! stella! tá aí?
-vai pra sacada e olha que lindo ta o céu hoje
. – ela responde com um suspiro. ouço o ranger de portas do outro lado da linha, acima da minha cabeça.
-sim, tá lindo mesmo.

-não mente, tu sequer saiu pra fora. – ela ri.
– tu me conheces tão bem.

-sim, e faço tudo por ti. – ela está debruçada nas grades de ferro me olhando a dois metros abaixo. eu faço sinal de silêncio e subo pelo muro do vizinho até a sacada. alice não tem mais medo, alice me ama e também faz tudo por mim.
-nós vamos fugir? – ela me beija e nossos corpos (o meu frio, o dela quente) se enlaçam.
-sim, meu amor. nós vamos fugir.

lá estava eu de volta ao asfalto, eram quase quatro da manhã. alice tentava se manter acordada na beira da estrada fumando cigarros que pendiam leves de seus dedos quando ela cochilava, relapsa. eu olhava e sorria. nunca antes havíamos sido mais felizes.

Um comentário:

Ferdi disse...

Que lindo!
Seus contos são sempre lindos. :*